quarta-feira, 24 de março de 2010

AVATOU-SE

Uma tribo de seres azuis que fogem de um vilão malvado… Não, esse não é o filme dos Smurfs (que deve sair em 2011) é o mundialmente famoso Avatar: a mais nova pretensão cinematográfica de James Cameron.
Não vou entrar nos detalhes da história, pois é bem possível que o caro leitor já tenha assistido ao filme ou no mínimo saiba do que se trata. Ao invés disto, irei comentar sobre um detalhe a cerca do lançamento da película que me incomoda profundamente: a cada ano que passa, e a cada filme que é lançado tenho uma maior impressão do quão pequena é a concepção histórica do público cinematográfico. É claro que ninguém é obrigado a ter um doutorado em cinema iraniano para emitir uma opinião, mas alguns comentários simplesmente necessitam de um embasamento um pouquinho maior.

Antes de assistir ao filme, não foram poucos os lugares e as pessoas que ouvi adjetivar Avatar como "revolucionário", na verdade, apesar de nem todos serem tão radicais a esse ponto, apenas uma pessoa havia me dito que não gostara. Confesso que quando resolvi assisti-lo eu já tinha um posicionamento pouco favorável a esse conceito de Avatar como "revolução do cinema", mas fora isso procurei ter o mínimo de idéias pré-concebidas e o mínimo de preconceitos, afinal o fato de ser um fenômeno comercial não significa que o filme seja ruim.

Uma outra crítica positiva que ouvi diversas vezes foi que a história do filme era ótima e completamente imersiva. Não discutirei o quão imersiva ela é, pois acredito que seja um conceito muito relativo, mas de todo modo "história ótima" já é um pouco de exagero. Havia ouvido qualquer comparação entre Avatar e a animação Pocahontas da Disney, mas essa associação se alojara em um limbo em meu cérebro que eclodiu enquanto eu via o filme. De fato, as semelhanças são gritantes: basta trocar os ingleses por terráqueos, os índios pelos na'vis, o governador Ratcliffe pelo coronel Miles, o ouro pelo unobtainminium, a árvore mística por… pensando bem, mantenha a árvore mística. Em relação a isso Avatar tem duas inovações: eles são azuis e eles tem um cabo USB na cauda (ou seria Firewire?).

Os defensores do filme logo dirão "mas a história foi escrita há quinze anos! Não foi feito antes por falta de tecnologia adequada!". Pocahontas foi lançado em 1995; não vou ser mesquinho a ponto de dizer que James Cameron, nesse ponto de sua carreira, tenha plagiado ou mesmo copiado a história da animação, mesmo porque, aparentemente ele teria escrito o roteiro por volta de 1994, mas se você escreve um filme e um ano depois outro é lançado com uma história tão semelhante assim, é quase uma questão de ética criativa repensá-la.

Toda essa relação entre os dois filmes é muito interessante e inútil, mas como eu comentei acima, o que me incomoda é uma outra questão. Há poucos filmes que podem assumir o status de revolucionários. O Nascimento de Uma Nação, O Gabinete do Dr. Caligari, Cidadão Kane, Deus e o Diabo na Terra do Sol, Um Cão Andaluz: esses são filmes revolucionários, visionários e transgressores, primeiramente porque transgrediram a linguagem cinematográfica. Avatar é um filme que se utiliza de uma tecnologia nova, mas o cinema não é se trata de tecnologia. Avatar equivale (numa analogia livre) não ao primeiro filme em cores, mas ao primeiro sucesso em cores (sucesso dividido entre …E o Vento Levou e O Mágico de Oz). Mas mesmo os dois filmes tidos como os dois primeiros filmes coloridos de sucesso não mantém seu padrão de clássicos por esse fato, provavelmente seriam clássicos mesmo se tivessem sido feitos em preto e branco. Avatar é, portanto, um filme com data de validade: se houvesse realmente uma grande história por trás de tanta tecnologia, poder-se-ia dizer que ele seria lembrado pelas próximas gerações, mas já que isso não acontece e, mais ainda, já que vivemos em uma era de evoluções tecnológicas tão rápidas, ouso dizer que em dez anos Avatar não será lembrado por ninguém (a não ser pelos locutores da Globo e Sbt que certamente anunciarão o filme como "um show de efeitos especiais").

De maneira geral, efeitos especiais não me impressionam tanto. Costumam demonstrar apenas como os estúdios possuem uma ótima e competente equipe de modelagem 3D e como possuem computadores avançados o suficiente para processarem texturas tão realistas. Não, esse tipo de inovação técnica que já nasce com dias contados não me impressiona, simplesmente porque o cinema independe disso.

Convido o leitor a assistir os próximos filmes que sejam tidos como "revolucionários" sem prestar atenção na tecnologia usada para narrar, mas na narração feita através da tecnologia. Convido-os a analisarem essa narração em seu contexto cinematográfico contemporâneo e só aí arriscarem a dizer "revolucionário" ou "transgressor". Quanto a Avatar, se aplicarem esse mesmo exercício tenho certeza que a palavra final não será muito diferente de "descartável".

3 comentários:

  1. Lembremos que Pocahontas é uma história dos nativos americanos, contada por décadas ou séculos talvez.. ela não surgiu com a Disney e mesmo que tivesse se lembrarmos que Pocahontas é um desenho convencional, seu roteiro deve ter sido elaborado no minimo dois anos antes do seu lançamento..

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  2. Bom, como a Disney distorce um pouco as lendas e histórias, não sei o que do filme é realmente da lenda... mas enfim... e sim, provavelmente o roteiro foi feito uns dois ou três anos antes de ser lançado.
    Mas como eu disse, não acho isso nem o mais grave, sabe? Até aí existem 15 filmes do Hitchcock com o mesmo roteiro (adaptado de livros diferentes) e todos eles são fantásticos.

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  3. fato é que pocahontas taí faz um bom tempo - e mesmo que não estivesse, a idéia em si está longe de ser a mais original.

    por sinal, tanto se trata de uma história antiga, que você não tem só o pocahontas da disney - tem a versão em filme mesmo, "the new world" de 2005, dirigido pelo terrence malick. ou seja, a reciclagem da parada é ainda MAIS recente.

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